Barroco

27/09/2010 10:59

Termo de origem espanhola ‘Barrueco’, aplicado para designar pérolas de forma irregular. A arte barroca originou-se na Itália (séc. XVII), mas não tardou a irradiar-se por outros países da Europa e a chegar também ao continente americano, trazida pelos colonizadores portugueses e espanhóis.
As obras barrocas romperam o equilíbrio entre o sentimento e a razão ou entre a arte e a ciência, que os artistas renascentistas procuram realizar de forma muito consciente; na arte barroca predominam as emoções e não o racionalismo da arte renascentista.

 

É uma época de conflitos espirituais e religiosos. O estilo barroco traduz a tentativa angustiante de conciliar forças antagônicas: bem e mal; Deus e Diabo; céu e terra; pureza e pecado; alegria e tristeza; paganismo e cristianismo;  espírito e matéria.

Seu propósito é impressionar os sentidos do observador, baseando-se no princípio segundo o qual a fé deveria ser atingida através dos sentidos e da emoção  e não apenas pelo raciocínio, buscando efeitos decorativos e visuais, através de curvas, contracurvas, colunas retorcidas, com violentos contrastes de luz e sombra;

A pintura barroca tem por características a composição assimétrica, em diagonal - que se revela num estilo grandioso, monumental, retorcido, substituindo a unidade geométrica e o equilíbrio da arte renascentista; Acentuado contraste de claro-escuro (expressão dos sentimentos) - era um recurso que visava a intensificar a sensação de profundidade; É realista, abrangendo todas as camadas sociais, além da escolha de cenas no seu momento de maior intensidade dramática.

A escultura tem por características o predomío das linhas curvas, dos drapeados das vestes e do uso do dourado; e os gestos e os rostos das personagens revelam emoções violentas e atingem uma dramaticidade desconhecida no Renascimento.

 

1. Caravaggio

Pintor italiano. Homem de vida airada, Michelangelo Merisi estuda inicialmente em Milão com o maneirista Peterzano, contra cuja estética reage asperamente. Autodidacta no que se segue, a sua pintura suscita violentas reacções. Mas apesar das críticas dos artistas, o público aprecia as suas telas rugosas, encrespadas de pastosidades e dominadas pelo que a partir dele se chama «tenebrismo». Estabelece-se em Roma até que, obrigado a fugir por se ter envolvido numa sangrenta rixa, se refugia em Nápoles (1606). Percorre o Sul do país perseguido pela justiça até que vai para Malta (1607), onde é recebido na Ordem de S. João. Encarcerado um ano mais tarde por ofensas a um cavaleiro da ordem, consegue fugir para a Sicília e, dali, para Messina (1609). Regressa a Nápoles, até onde o perseguem os seus inimigos malteses, que o deixam gravemente ferido. Amnistiado por Roma, dirige-se a Porto Ercole, onde é detido por erro. Uma vez libertado, morre obscuramente (segundo certas versões, de umas febres).  

 

A atitude artística deste pintor é de franca rebeldia contra os convencionalismos do momento. O estranho realismo de Caravaggio consiste não em copiar e observar a natureza, mas em contrapor o valor moral da prática ao valor intelectual da teoria.  

O aspecto mais notável da sua obra é o tratamento da luz, que recebe o nome de tenebrismo. Consiste em projectar a luz sobre as formas com violência e em contraste intenso e brusco com as sombras. O seu precoce domínio dos efeitos claro-escuro (Caravaggio morre em 1610) marca o início de uma das grandes conquistas da pintura barroca. Outra característica primordial do estilo de Caravaggio é o naturalismo exacerbado como reacção face ao idealismo renascentista. Naturalismo que, por outro lado, não está em duelo com a grandiosidade da composição.  

A este interesse naturalista respondem quadros de costumes como Mulher a Tocar o Alaúde e Jogadores de Cartas, pintados na sua primeira época. A plenitude do seu estilo encontra-se em cenas religiosas que trata com um naturalismo e um realismo quase insolentes. Tal é o caso de O Santo Enterro e de O Enterro da Virgem. Nesta última obra, a figura da Virgem é inspirada no cadáver de uma mulher afogada no Tibre e com o ventre inchado. A exposição pública deste quadro numa igreja choca com o gosto classicista imperante em Roma, e tem que ser retirado  

A influência de Caravaggio sente-se poderosamente em Itália e no resto da Europa durante todo o século xvii, e os seus seguidores continuam a cultivar o tenebrismo e o naturalismo no século seguinte.

 

 

2. Rembrandt

 

Pintor e gravador holandês, nasceu no dia 15 de julho 1606, em Leyden. Famosoáe rico aos trinta anos, morreu incompreendido e na miséria aos 63. Em seu testamento deixou "algumas roupas de linho ou lã minhas coisas de pintor" e os quadros que marcaram um dos pontos culminantes na história da pintura.

 

Dono de um moinho à beira do rio Reno, seu pai, Harmen Gerritz, foi um homem pobre. Seu tempo era dedicado ao trabalho, à mulher - Neeltgen van Zuytbrouck -, aos cinco filhos e ao rio Reno, que se chama em holandês Rijn. Amou o rio, incorporou seu nome e passou a assinar. Harmen Gerritz van Rijn. Em casa, todos moíam o grão, só o quinto filho gostava mais de pintar do que moer e não queria deixar a escola. Fazendo sacrifícios, o pai Harmen matriculou Rembrandt na Universidade de Leyden, mas n ao conseguiu mantê-lo ali mais que nove meses. Aos quinze anos Rembrandt larga a universidade, mas Van Swanenburgh não permite que largue a pintura. Jacob Isaaksz van Swanenburgh ensina as técnicas básicas, o preparo das tintas, a montagem das telas, a disciplina do desenho. Em 1623, a conselho do professor, Rembrandt vai para Amsterdam, a fim de "alargar os horizontes". Passa quase quatro anos freqüentando o atelier do pintor romanista Pieter Lastman, a primeira grande influência sobre a arte do moço Rembrandt. Lastman era um pintor da moda, formado na Itália. Desenvolvia no aluno o gosto pelos efeitos violentos e dramáticos, e o amor pela representação de enfeites, jóias e tecidos. Em 1627 Rembrandt volta a Leyden e instala seu próprio atelier, com Jan Lievens. No ano seguinte chama Gerard Dou - um menino de catorze anos - para trabalhar com eles. Rembrandt resolve instalar-se em Amsterdam, em 1631. Um ano depois já é pintor famoso, um dos mais caros e procurados da cidade. Retrata os ricos e bem-sucedidos burgueses, pois pertence à moda enfeitar com o próprio retrato a parede da sala. Se o retrato é assinado por Rembrandt, aumenta o respeito pelo retratado. É em 1632 que pinta um dos seus quadros mais famosos: A Lição de Anatomia do Doutor Tulp, que faz imediato sucesso e provoca dezenas de encomendas de retratos em grupo. 1634 é importantíssimo na vida do pintor. Neste ano atinge o auge da fama e prosperidade. No mesmo ano casa-se com Saskia van Uylenburgh - jovem, bonita, de boa família. Freqüenta a melhor sociedade e traz um bom dote. Essa tranqüilidade é perturbada pela morte precoce dos filhos. De quatro, três falecem antes de um ano; apenas o quarto, Tito, atinge a idade adulta. Em 1642, morre-lhe a esposa, Saskia.

 

Rembrandt retratava o que queria, o que ele via e sentia. E entre centenas de retratos, pintados nos anos de 1630 a 1645, Rembrandt chegou inclusive a pintar auto-retratos - como se alguém comprasse o retrato de outro homem - e os retratos dos rabinos da rua onde morava - como se alguém comprasse o retrato de um judeu. No entanto, de tempos em tempos, Rembrandt sentava-se diante do espelho e - num exercício de estilo e investigação - retratava-se, procurando nos olhos e na boca o sinal do tempo, da paixão, da vida. Em seu próprio rosto, ele retratava principalmente a passagem do tempo e das dificuldades do dia-a-dia. Também eram freqüentes, na época, os retratos de grupo, encomendados por instituições, grandes companhias, lojas importantes, hospitais, escolas, universidades, assembléias. O problema de reunir numa só composição várias figurinos, cuja única vinculação era a vontade de se verem retratadas juntas, fez desses retratos uma arte menor, embora fossem regiamente pagas, por unidade, cabeças e mãos dos retratados. Rembrandt pintou tais grupos, mas procurava retratar realmente o grupo com um sentido de conjunto que lhe ressaltasse a atividade, sem descuidar dos detalhes pessoais de cada figurante. A Lição de Anatomia do Doutor Tulp, A Ronda Noturna, Os Negociantes de Tecidos são bons exemplos da arte de Rembrandt. Ele parece surpreender os cavaleiros em plena atividade, parece fotografá-los séculos antes da invenção da fotografia. Os grupos vibram e seus componentes atuam, o que não impede que faça um estudo psicológico de cada figura, de cada objeto em cena. É exatamente sua capacidade de retratar por completo os clientes que faz com que eles se afastem, temerosos de terem em casa ou no escritório uma crítica emoldurada.

 

É interessante constatar que Rembrandt demonstrou particular interesse, pelos episódios posteriores à morte de Cristo, só se conhecendo, porém - entre duas dezenas de trabalhos do gênero, um Cristo Crucificado (descoberto em 1967, em Sevilha, e datado de 1660) e A Descida da Cruz. Também é importante destacar que a figura de Jesus sempre conserva os traços e a lembrança da morte.

 

No decorrer do tempo, perdeu a clientela; e, não havendo outro campo para um pintor, começou sua desgraça, que duraria centenas de anos. Por séculos afora, Rembrandt é relegado a um esquecimento incompreensível, desprezado, considerado pintor menor, pintor de moda. Em 1645 toma como criada uma jovem, Hendrickje Stoffels, que passa a ser seu modelo e sua amante. Vive com ela muitos anos, mas não se casa: uma cláusula no testamento de Saskia prevê que ele perderia tudo o que ganhou pelo matrimônio, se casasse de novo. E é justamente o dote da mulher que o sustenta, nesses anos de esquecimento, quando a clientela procura pintores mais acessíveis e menos inquietantes. No dia 4 de dezembro de 1657 Rembrandt está arruinado: perde uma ação de cobrança na Justiça. Todos os credores correm a exigir também a sua parte. Primeiro vão os móveis a leilão; em seguida a coleção de objetos de arte; depois os seus quadros, muitos deles vendidos em lotes só para conseguir algum preço. Em 1660 a municipalidade de Amsterdam procura um pintor que aceite a encomenda de um quadro histórico. Mas nenhum pintor se dispõe a enfrentar a tarefa, numa época em que se louva o presente e não mais se volta ao passado. Então é lembrado Rembrandt, que aceita transformar em pintura A Conspiração de Claudius Civilis (idealizado pelos líderes municipais. Claudius Civilis é um herói nacional: levantara-se contra o Imperador Vespasiano ainda no ano 70, e a cidade de Amsterdam quer comemorar sua vitória sobre os espanhóis através do heroísmo clássico dos guerreiros que souberam resistir ao Império Romano). Contudo, quando o quadro tão esperado veio a ser exposto, o que o público viu foi um grupo de bárbaros, um bando de assassinos jurando fidelidade a um rei caolho. Não foram aqueles heróis imaginados pela fantasia, guerreiros cantados em prosa e verso que seguiram a liderança do grande Claudius. Para os orgulhosos burgueses que pretendiam identificar-se com os heróis, o choque não podia ser maior. O quadro foi devolvido. Só seria aceito com profundas modificações. Mas mesmo em sérias dificuldades de dinheiro, Rembrandt recusa a proposta e põe fogo no quadro. Arrependido, consegue salvar a cena central, hoje no Museu de Esto-colmo; mas este é o golpe final no seu prestígio. Depois disso, só consegue vender mais um quadro: Os Síndicos da Corporação de Tecelões de Amsterdam, também chamado Os Negociantes de Tecidos.

 

Em 1663 morre a sua companheira, Hendrickje. Embora sozinho e esquecido, continua a pintar. Pinta sem descanso - nada mais lhe resta a fazer. Retrata os amigos, a família, pinta até paisagens e auto-retratos, que contam a sua história, o seu sofrimento, a sua luta, depois de tanta glória e riqueza, que ele gosta de lembrar. No Auto-Retrato de Barba Nascente, por exemplo, ele aparece em ricos trajes e com uma corrente de ouro. Seu filho, Tito, sustenta-o agora. E é também seu modelo. Faz dele vários retratos e transforma-o em São Mateus no quadro São Mateus e o Anjo, que está no Museu do Louvre.

 

Mas em 1668, então já casado, morre Tito, um mês depois de Rembrandt ter terrninado A Família de Tito. Sozinho, miserável, Rembrandt vive apenas mais um ano. Seu último Auto-Retrato é a mais extraordinária, penetrante e impiedosa análise que um pintor fez de si mesmo: a pele envelhecida tem a mesma textura dos mortos das Lições de Anatomia, a figura tem o mesmo impacto dramático do seu Boi Esquartejado, a cor é profunda e cheia da dor da Descida da Cruz. É possível ver no seu rosto a morte de Saskia e dos meninos, o triste amor com Hendrickje e a sua morte, a morte de Tito, a luta contra a miséria e esquecimento total. Só o olhar triste mas insinuante lembra os auto-retratos da juventude, quando posava para si próprio como um herói.

 

Morreu aos 63 anos, no dia 4 de outubro de 1669. No cavalete, deixou o último quadro, que não conseguiu terminar. Mostrava seu quarto: uma cama simples, uma cadeira quebrada, um espelho sem moldura, uma mesa rústica Hoje, após três séculos, é considerado um dos maiores pintores de todos os tempos.

 

3. Vermeer

Jan Vermeer nasceu em Delft, Países Baixos, em 31 de outubro de 1632. Entre 1652-1654 estudou pintura com Karel Fabritius, aluno de Rembrandt.

Pouco se sabe da sua vida. Era filho de Reynier Jansz e Dingenum Baltens. Casou-se em 1653 com Catharina Bolenes e teve 15 filhos, dos quais morreram 4 em tenra idade. No mesmo ano juntou-se à guilda de pintores de Saint Lucas (São Lucas). Mais tarde, em 1662 e 1669, foi escolhido para presidir à guilda. Sabe-se que vivia com magros rendimentos como comerciante de arte, e não pela venda dos seus quadros. Por vezes até foi obrigado a pagar com quadros dívidas contraídas nas lojas de comida locais.Morreu muito pobre em 1675. A sua viúva teve de vender todos os quadros que ainda estavam na sua posse ao conselho municipal em troca de uma pequena pensão (uma fonte diz que foi só um quadro: a última obra de Vermeer, intitulada Clio).

Em 1663 entrou para a guilda de São Lucas, que presidiu em 1662-1663 e 1670-1671. De suas 35 telas conhecidas, só duas são assinadas: "A alcoviteira" (1656) e "O astrônomo" (1668). A ausência de assinaturas e a abundância de telas apócrifas dificultam a apreciação cronológica da obra de Vermeer.

Os temas que aborda são os de seus contemporâneos Pieter de Hooch, Terborch e Metsu: interiores com uma ou duas figuras e paisagens urbanas. Nos jogos de luz e sombra vê-se certa influência italiana. A composição é geométrica, com seus elementos simetricamente equilibrados.

Os elementos típicos da obra de Vermeer já apontam em "Moça lendo uma carta" (c. 1657): o quarto fechado, a luz que entra pela janela, tapetes orientais e cortinas luxuosas. A luz é usada com mestria para ressaltar uma expressão, aprofundar ou criar uma atmosfera.

Intimista, Vermeer retratou cenas da vida burguesa, repletas de símbolos e intenções morais. Em "A leiteira" (1656-1660), manifesta-se seu colorido particular: fusões de azul e amarelo, objetos pontilhados de dourado.

Vermeer foi enterrado em Delft em 15 de dezembro de 1675.

Depois da sua morte, Vermeer foi esquecido. Por vezes, os seus quadros foram vendidos com a assinatura de outro pintor para lhe aumentar o valor. Foi só muito recentemente que a grandeza de Vermeer foi reconhecida: em 1866, o historiador de arte Théophile Thoré (pseudónimo de W. Bürger) fez uma declaração nesse sentido, atribuindo 76 pinturas a Vermeer, número esse que foi em breve reduzido por outros estudiosos. No princípio do século XX havia muitos rumores de que ainda existiriam quadros de Vermeer por descobrir.

Conhecem-se hoje muito poucos quadros de Vermeer. Só sobrevivem 35 a 40 trabalhos atribuídos ao pintor holandês. Há opiniões contraditórias quanto à autenticidade de alguns quadros.

 

4. Velázquez

Diego Rodríguez de Silva Velázquez, filho de um fidalgo de origem portuguesa, foi batizado em Sevilha, Espanha, em 6 de junho de 1599. Sua aptidão para a pintura se manifestou muito cedo e ele teve como mestres Francisco Herrera o Velho e, depois, Francisco Pacheco, de quem mais tarde se tornou genro. A principal fonte de informações sobre os primeiros anos de sua carreira é a obra Arte de la pintura (Arte da pintura), que Pacheco publicou em 1649.

Velázquez iniciou sua carreira pelo naturalismo, sob a influência de Caravaggio e Pieter de Aertsen. As obras de sua fase sevilhana são, sobretudo, naturezas-mortas e cenas de gênero -- "Velha fritando ovos" (1618; National Gallery, Edimburgo), "O aguadeiro de Sevilha" (1619; Museu Wellington, Londres). O artista já se destacava então pela exploração do contorno e dos contrastes ilusionistas de luz e sombra. Nessa fase, Velázquez produziu também algumas composições de tema religioso, como as telas "Jesus em casa de Marta e Maria" (c. 1618; National Gallery, Londres) e "Adoração dos magos" (1619; Prado).

Em 1622, após a coroação de Filipe IV, Velázquez visitou Madri pela primeira vez, com o propósito de retratar o novo soberano. Embora já tivesse conquistado prestígio como retratista, só conseguiu seu objetivo no ano seguinte, quando foi nomeado, com o apoio do conde-duque de Olivares, seu protetor, para o cargo de pintor da corte madrilena. Nas novas atribuições, desenvolveu ainda mais seu talento, com o estudo das coleções reais. Em 1628, o famoso pintor flamengo Rubens visitou a Espanha e, estimulado por ele, Velázquez viajou à Itália para conhecer o trabalho dos mestres italianos.

De 1629 a 1631, Velázquez visitou os mais importantes centros culturais da Itália, descobriu o colorido da escola veneziana e copiou e estudou, entre outros, Ticiano, Tintoretto e Veronese. A viagem intensificou o realismo de Velázquez, como demonstram duas de suas mais importantes composições, "A forja de Vulcano" (1630; Prado) e "A túnica ensangüentada de José levada a Jacó" (1630; El Escorial). Por sua composição, ambas as telas revelam a influência de El Greco, pelo qual Velázquez nutria intensa admiração. Entre a produção dessa época destaca-se também "Crucifixão" (c. 1631; Prado); tipicamente espanhola, trata-se de uma composição sombria, que nada deve às representações italianas, e cujo realismo ultrapassa todas as convenções.

Obrigado a regressar à Espanha em 1631, por problemas de saúde, Velázquez retomou suas funções e deu início à fase mais produtiva de sua carreira, marcada não apenas pelos retratos de personagens da corte, mas também por trabalhos com temas históricos, mitológicos e religiosos. Para a redecoração do palácio de Bom Retiro, realizou diversos retratos eqüestres de Felipe IV e sua única obra com tema histórico, "A rendição de Breda" (1634-1635; Prado). Também conhecida como "As lanças", a obra é considerada por grande parte dos críticos como a mais perfeitamente equilibrada do artista.

Datam dessa época as famosas séries de retratos do soberano, eqüestres e em vestimentas de caça, e de outros personagens da corte espanhola em poses informais, como o do "Príncipe Baltasar Carlos" (Prado), que se destaca pela espontaneidade. Dentre as composições mais notáveis dessa fase sobressaem os retratos de anões e bufões, nos quais Velázquez demonstra grande discernimento psicológico e poder de caracterização na capacidade de realçar a dignidade dos modelos em contraste com sua deformidade, claramente exposta.

Em 1649, Velázquez empreendeu nova viagem à Itália, dessa vez em missão oficial, para adquirir pinturas e esculturas para a coleção real espanhola. Nesse período, o artista se encontrava no auge de sua forma e antes de regressar a Madri pintou três de suas obras mais conhecidas: o retrato do papa Inocêncio X (1650; Galleria Doria Pamphili, Roma), quase impressionista, notável pela severidade e que lhe valeu celebridade internacional, e suas únicas paisagens, duas vistas da Vila Medici, em Roma (Prado). Únicos exemplares de paisagens puras em sua obra, marcadas pela liberdade de pincelada, as duas pequenas telas bastariam para justificar a posição de Velázquez como principal precursor do impressionismo.

De volta a Madri em 1651, foi encarregado da decoração de todos os palácios reais, mas prosseguiu com seus trabalhos de pintura, embora em ritmo menos acelerado. São dessa época os retratos da rainha D. Mariana (1652-1653; Prado) e da infanta D. Maria Teresa (1652-1653; Museu de História da Arte, Viena), que mais tarde se tornaria rainha da França. Por volta de 1655, pintou o primeiro quadro na história da arte dedicado ao trabalho, "As fiandeiras" (Prado), que teve suas proporções definidas com base na observação de Velázquez das composições do teto da capela Sistina.

Também nessa época o artista concluiu o que todos os críticos consideram sua obra-prima, a tela "As meninas" (c. 1656; Prado), composição de extrema complexidade que culmina a série dos quadros da corte. É a síntese de seu realismo e de seu idealismo, tanto no sentido das proporções ideais como no do espírito aristocrático. A composição contrasta o grupo circular das figuras em cena e as linhas verticais que tendem para cima. Igual contraste se nota entre os fundos escuros e a luz que envolve as figuras. A infanta Margarida Maria é o centro ideal da composição e em torno dela giram as outras figuras, inclusive o próprio Velázquez, auto-retratado. A cena parece inesperada e espontânea -- a infanta e suas damas de honra o vêem pintar o rei e a rainha, vistos apenas refletidos num espelho ao fundo -- apesar da hierarquia calculada do conjunto, com o artista em discreto segundo plano.

Existem pouco mais de cem obras conhecidas de Velázquez. Como quase nunca assinava seus trabalhos, o artista teve atribuídas a ele muitas telas de outros pintores. Embora suas obras chamem a atenção pela aparente naturalidade, não são fruto da simples observação, mas de uma elaboração intelectual, na busca de uma representação ideal do mundo em formas ideais. Cercado de prestígio e honrarias, Velázquez morreu em Madri, em 6 de agosto de 1660.

 

5. La Tour

A certidão de batismo de Georges de La Tour revela que ele era filho de Jean de la Tour, padeiro, e de Sybille de la Tour, née Molian (ou Sybille Molian, de solteira). O casal teve sete crianças ao todo, sendo que Georges era o segundo mais velho da prole. Sobre a juventude e vida estudantil de Georges de La Tour nada se sabe, nem está documentado como é que ele encontrou a vocação de pintor. Ele se casou com Diane Le Nerf em 1618, sendo que ela era filha de um administrador financeiro do Duque de Lorena.

Georges estabeleceu seu estúdio na pequena localidade de Lunéville em 1620, pintando quadros predominantemente inspirados no cristianismo e no dia-à-dia de pessoas comuns. Não existe qualquer retrado de Georges de La Tour mas alguns experts acreditam que a figura do jogador de cartas trapaceiro em Le Tricheur à l'as de carreau seja um autoretrato.

Georges foi nomeado "Pintor del Rey" em 1638 e, conseqüentemente, a opulência passou a fazer parte de sua vida. Inclusive, está documentado que, mais tarde, já no ano de 1646, alguns cidadãos de Luneville registraram uma reclamação oficial junto ao duque da cidade pois Georges de La Tour "se faz detestar pela população por causa do grande número de cães que possui, como se ele fosse o dono da cidade"... e "que tocam as lebres para dentro da plantação de grãos [de milho?], pisoteando e arruinando com tudo." Georges de La Tour também foi denunciado várias vezes por ter participado de quebra-paus em Lunéville.